terça-feira, 20 de janeiro de 2009

|::| Seis e meia na praça

            O sol ainda está no céu. Vai descendo aos poucos. A luz passa pelas nuvens e atravessa os espaços vazios do mundo. As janelas abertas. As sombras das árvores. Umas poucas pessoas que andam pela rua. Uns poucos pássaros que voam. Os sentimentos se confundindo. É nesse momento, em que a noite chega devagar, que sentimos o dia. Mais um. Pra muitos, algumas horas. Para alguns, uns últimos instantes. Ainda pra outros, os momentos. Pra mim, chegou a hora de parar. Pensar que fiz o que queria é um verdadeiro engano.

            O sol, cada vez mais escondido. Fugindo.

            A praça já está vazia. Só eu. Sentado num banco. Perto de uma árvore. Observando. Vendo o mundo passar. É o momento em que penso como seria estar sozinho no mundo. Talvez esteja. Pensar que olhando dentro dos olhos da pessoa mais próxima de mim pode ser revelação de que estou infinitamente distante dela. E isso é belo e aterrorizador. É até uma sensação de que estou num abismo, ou que os olhos do companheiro ao lado são o abismo e que podem devorar o que penso ser eu. Buraco sem fundo. Buraco absurdamente sem fundo.

            Mas a praça, esta praça às seis e meia da tarde, parece ir se desintegrando aos poucos. Perde partes de si. Já não correm as pequenas criaturas. Já não correm as criaturas pequenas, os seres, os humanos. Só eu. Só o cara da praça às seis e meia da tarde. Sentado num banco. Observando e tentando entender como as sombras podem dar lugar à escuridão conforme o sol se despede. Despede-se de quem? De um monte de matéria talvez. Matéria ou espíritos? É algo pra se pensar enquanto olhamos pela janela do ônibus que nos leva à nossa casa.

            O banco. Este banco sobre o qual estou. Estou sentado. Com as pernas cruzadas, balançando o pé direito e vendo o tempo passar. E eu sei que ele passa, pois o dia vai escurecendo aos poucos, agonizando. O céu está vermelho: símbolo de seu sofrimento. O banco está quase vazio. Talvez se alguém passasse neste instante por aqui eu o convidaria para sentar-se ao meu lado.

            Mas o banco. O banco já está quase vazio. Quem sabe se passados dois minutos ainda estarei aqui? Se nem eu – eu que penso sentado no banco às seis e trinta e um da tarde numa praça no meio de uma cidadezinha com um céu sofrendo e um sol se despedindo em agonia – sei se estarei aqui durante os próximos dois minutos.

            O chão. Esse chão que serve de túmulo para tantas folhas que caem das árvores. Esse chão é pra onde olho quando caminho pensando no que deixo pra trás cada vez que permito que uma perna se dirija ao futuro. Se bem que esse negócio do tempo é tão esquisito... Há um minuto eu estava a pensar sobre os vazios por onde os últimos raios solares passavam. Agora também penso nisso. Mas nem por isso agora é seis e meia da tarde. Quase nada mudou neste último minuto, a não ser a minha cabeça. Os meus pensamentos. Não mudaram, cresceram. Há um minuto eu ainda não havia chegado à conclusão de que as pessoas estão separadas por distâncias absurdas, por pensamentos inúmeros e desejos irrealizáveis. E se penso isso agora, devo ao último minuto em que decidi permanecer sentado num banco de praça vendo o tempo passar, observando, refletindo sobre o céu, o sol, a praça, o banco, o chão, e também sobre mim, sobre o mundo, sobre a matéria e talvez, se me foi permitido, sobre o espírito.

            Eu sentado num banco de praça vendo o tempo passando, as folhas caindo, o céu sofrendo, o sol agonizando, sentindo o tempo passando com os pensamentos crescendo. Eu sentado num banco de praça às seis e trinta e um e quase dois. Eu que resolvi parar. Eu que decidi que essa era hora de parar, sentar-me num banco e ver que posso não saber sobre dois minutos de minha vida.

            E quando os ponteiros resolvem tomar mais um minuto meu, mesmo com a possibilidade de descobrir mais sobre o abismo que há entre as pessoas, levanto-me. Caminho em direção ao ponto de ônibus.

            Seis e trinta e dois, esperando um ônibus passar e me levar. Levar pra casa enquanto penso se o sol sabe sobre sua própria agonia despedindo-se das coisas.

 

(Talvez meu relógio esteja parado. E se me iludi pensando que se passaram dois minutos quando na verdade podem ter-se passado cinco minutos? Espero que o ônibus não demore).


Escrito em 30/09/2001

Nenhum comentário: