quarta-feira, 20 de maio de 2009

|::| Ma[´]drugada

Estou com medo de dormir agora e perceber, ao acordar, que algo está faltando. Também tenho medo de dormir e ao acordar sentir que algo não está faltando. Toda noite, a morte de como me manifesto agora. Toda manhã, uma leve memória de uma vida que se torna mais vívida conforme as horas do dia passam por mim. Toda noite, uma vida longe dos problemas e dos detalhes que dificultam os meus dias. A cada manhã, a morte daquela vida de sonhos, manifestada nos sonhos. Vida que se recicla e se mantém sempre, parecendo, afinal, ser o início e o fim de todas as coisas. Dela não se escapa. Sua presença sempre está por aí, por aqui, em todos os lugares, brincando com a gente, com as gentes e com as mentes de todas as gentes que olham pra ela enquanto a experimentam. Sempre rindo, e a cada risada uma nova manifestação de sua força. Somos seus escravos e iludidamente imaginamos que ela escorre para longe de nós. Nunca. Tudo o que somos é ela, e enquanto formos algo - e sempre seremos - ela estará presente, viva. Vida viva, sempre viva, sempre vida. Como eu gostaria de saber menos e poder querer, sem sentir que a minha consciência resiste, que as coisas fossem mais claras. Clareza que só procuro porque seu gosto ainda está aqui na minha boca. Tenho medo de dormir e acordar no escuro, descobrindo que o sol mais brilhante da manhã mais clara da estação mais exuberante do ano embaralha todos os meus pensamentos e me faz duvidar de quem sou. Se é que sou alguma coisa. Talvez a clareza da noite seja como a bravura de um fraco lutador um dia antes de se inscrever numa competição para a qual desconfia estar despreparado. Tenho medo de acordar e fazer escolhas diferentes das que eu quero fazer agora. Tenho medo de acordar muito mais fraco. E descobrir, mais um dia, que sou incapaz de ser diferente daquele que sempre acabo sendo no dia seguinte.

quarta-feira, 13 de maio de 2009

|::| Maya

Ela tirou férias de mim. Saiu assim meio sem avisar, como quem vai ao supermercado da esquina comprar maçãs e demora o suficiente pra que você calcule quanto tempo se passou. Eu já imaginava que era ela quem me soprava os tons e as rimas de todas as canções que inventei. Agora sei que os sabores, as cores e os aromas eram todos artificialmente injetados em mim, dando a falsa sensação de que o mundo é agradável.

Ela tirou férias de mim. Saiu assim meio devagar, como quem se levanta no meio da noite sem acordá-lo. Eu já imaginava que ela era leve como aquele pedaço de algodão que cai da nossa mão antes de tocar a ferida. Agora sei que os sons eram delicadamente colocados em meus ouvidos, dando a falsa sensação de que havia silêncio.

Ela tirou férias de mim. Saiu. Eu já imaginava. Agora sei.