quarta-feira, 14 de janeiro de 2009

|::| Algo que não fiz

[Como os mais próximos sabem, eu não vivo só de reflexões obscuras e complicadas... De vez em quando também escrevo sobre aqueles aspectos mais comuns da nossa vida. Ué. Paixões frustradas, dores de cotovelo, amores bem-sucedidos, sapatos novos, restaurantes legais, bons filmes e livros,  enfim... por incrível que pareça, não vivo de pensar sobre o sentido último das coisas. Eu também como, bebo, beijo, e assim por diante. Não preciso dar os detalhes, não é? Pra provar que sou normal, hehe, eventualmente vou postar alguns dos meus contos e crônicas... escritos nesses últimos 10 anos. Alguns talvez até sejam divertidos.... Enjoy!]

[Pra começar... um texto de 2001... sobre aqueles momentos de passividade que nos angustiam]

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E difícil é quando me pergunto qual o objetivo de minhas indagações... Pois já nem sei se aquilo que penso é realmente o que penso. E já nem sei até onde vai o meu pensamento e o pensamento alheio. E não consigo distinguir a minha pessoa do resto da multidão. Se eu ou eles. As frases nas quais penso são de outros; as que tento inventar, não invento, pois já foram inventadas... Os livros estão todos escritos. Os contos já escaparam e vagueiam entre os mundinhos de cada um. Os romances... esgotaram-se. E sinto que tudo já foi feito. Tudo já foi vivido. Mas eu não fiz nada! Outros fizeram! E contaram. Espalharam. E tudo pode ser lido. E pode ser dito. E vivido...?

            Pois então contarei o que não vivi.

            Eu não conheci a pessoa que eu quis. Somente a olhei, de longe. Algumas vezes olhei de perto. Mas não sei se ela me viu. Não perguntei. E nem quis faze-lo. Pois o que eu não faria se descobrisse que ela não é a pessoa que eu quis? E se eu percebesse que ela não podia mais ser um sonho?

            Sonho é o que era. Pois não a conhecia. Só a via num momento do dia. Todos os dias. Mas aqui dentro eu a via, sentia. O gosto, o cheiro, o som, a consistência. Mas não a conhecia. Pois não sabia se podia.

            Certa vez enquanto almoçava ela passou ao lado da mesa à qual eu estava sentado. Obviamente eu não olhei pra ela. Nem sorri. E também não descobri se ela desviou o olhar para a minha direção. Nunca vou saber, pois não vou perguntar... E a partir daquele momento eu não podia mais conter a ansiedade de vê-la passar ao meu lado. Perguntava-me: será que ela já não percebeu que eu a quero?

            Procurava andar pelos mesmos lugares. Seguia seus passos. Mas não quando ela estava por perto. Seguia o trajeto que eu imaginava que ela teria feito. Toda vez que tinha a oportunidade eu inspirava profundamente tentando sentir o seu cheiro. Mas não sentia. Eu não me aproximava o suficiente. Mas lá dentro eu sabia como era. Era... não sei!

            Não vou descrevê-la. Isso os românticos já fizeram. Está tudo lá nos livros. É só ler. Todos já sabem como ela é. Sabem até de suas emoções, e sentimentos. Mas eu só imagino como são, pois não tentei descobrir. Nunca perguntei.

            E o tempo foi indo. A vida foi indo. Eu não. Eu permaneci. Não a conheci. Não falava com ela. Não passeava com ela. Não a beijava, nem a sentia. Mas sabia a cor dos seus olhos. Não eram castanhos. Não eram negros, nem verdes. Seu cabelo não era ruivo, nem loiro. As roupas que vestia não eram feias, nem velhas, nem sujas.

            Bem, já percebi que isso tudo que eu não fiz não interessa a ninguém. Pois todos já sabem... Já viveram. Leram. Sonharam. Só eu que não. Pois me recusei a isso. O que adianta viver aquilo que não se vive? Não quis me enganar. Isso eu não fiz.

            A conclusão do romance que não vivi é a seguinte: não conheci, não toquei, não senti, nem vivi. Não me decepcionei, não chorei, só sonhei. E hoje não tenho que me fazer a pergunta: “Foi tudo real?” A resposta eu já sei; é "não". Não foi real, pois não foi. Não foi nada. Foi talvez uma brisa. Ou talvez um abrir e fechar de olhos. Ou ainda o arrepio frio de uma tarde ventosa de outono. Mas de uma coisa eu sei: Não foi um romance!

 

Kelson Fernandes

Escrito em 23/08/2001

7 comentários:

Elen Gruber disse...

Só para bla, bla, bla, pois como bem sei: meu nome gosta de falar.
O que eu não fiz? Não deixei de sentir o cheiro de hortelã. O gosto? Só imaginação pra não fugir da regra. rsrs. Lega! Gostei do texto.

FlaviaT. disse...

O Kelson tbm se apaixona como os simples mortais.. Quem diria.. Hehehehe.

Anônimo disse...

nao se arrependeu do romance q nao viveu? rsrs
gostei do texto,bem esse Kelson eu nao conheçia, é muito interessante quanto o "outro".
bju

Alessandra Bruxel disse...

É todos os mortais se apaixonam, quem nunca teve uma desilusão ou medo de se entregar a um amor está mentindo. É, Não foi o único que não se arrependeu do romance que não teve. Sou uma também!

beijo

Unknown disse...

É o orgulho da familia.. Esse texto você não tinha me mostrado.. Abraço Primão..

Josh disse...

Nossa, recebi de um grande amigo um texto por e-mail muito legal, e achei que seria interessante colocar aqui, pois se encaixa com o que nós não fazemos na vida.

"A coisa mais injusta sobre a vida é a maneira como ela termina. Eu acho que o verdadeiro ciclo da vida está todo de trás pra frente. Nós deveríamos morrer primeiro, nos livrar logo disso. Daí viver num asilo, até ser chutado pra fora de lá por estar muito novo. Ganhar um relógio de ouro e ir trabalhar. Então você trabalha 40 anos até ficar novo o bastante pra poder aproveitar sua aposentadoria. Aí você curte tudo, bebe bastante álcool, faz festas e se prepara para a faculdade.Você vai para colégio, tem várias namoradas, vira criança, não tem nenhuma responsabilidade, se torna um bebezinho de colo, volta pro útero da mãe, passa seus últimos nove meses de vida flutuando. E termina tudo com um ótimo orgasmo! Não seria perfeito?" (Charles Chaplin)

Aproveitemos então pra vivermos agora o que provavelmente estaremos almejando ter feito quando estivermos passando pela nossa futura terceira idade. Sabe aquele negócio: se eu pudesse, voltaria no passado e faria tudo diferente...!? (ficou enorme)

jito disse...

hahahaha.. o texto do josu(ou melhor, do Charles Chaplin) á muito bom

Mas não é isso que entendi do seu texto, kelson.
Fiquei imaginando. Qunato sofrimento há neste texto? AParentemente pouco. É um conformismo irritante, ao meu ver. Mas parece ser melhor que o meu sofrer sem fim..

e se eu só imaginasse?

Sei não! Fiz isso até agora, e não deu certo! rs