|::| Abrindo o livro de receitas
Sim, tenho brincado de ler Nietzsche. Às vezes é preciso, ué.
Talvez o normal seja buscar respostas aos conflitos que vivemos, mas, ao invés disso, tenho buscado o material necessário para que eu torne inteligíveis as questões que me atormentam e estimulam tanto. Mesmo porque não quero me satisfazer com respostas postiças. Assim como não me contento em viver uma vida postiça, uma vida que não é a minha. Obviamente, sou uma montagem individualizada a partir de muitos elementos já existentes. A novidade não está nas partes, mas no todo único e original que é a vida de quem escolhe pagar o preço de uma existência sincera. Há anos venho pagando esse preço. Às vezes em suaves prestações, às vezes não. Talvez seja aquele processo ao qual o fundador da psicologia analítica aplicou o termo "individuação". Não sei se é padecer no paraíso, ou rejubilar-se no inferno.
Gosto muito do uso que a antropologia faz do conceito de "bricolagem" para descrever a formação das culturas. Acredito que nós também somos frutos de usos e reúsos, de interpretações e reinterpretações, de montagens complexas e articulações multivariadas. Talvez por isso eu continue escolhendo enxergar novas cores nessa tão multicolorida forma de vida, que é o ser humano. Mais que isso. Não se trata apenas de nossa espécie, mas de tudo: do ar, do mar, do amar, enfim, do universo.
Mas o alargamento de nossa percepção, o processo de abertura de nossa visão e da sensibilização de nossos olhos à riquíssima gama de cores que a vida possui, é inevitavelmente acompanhado de uma certa dor, embora seja engraçado constatar que a dor não é inevitavelmente dolorosa. O desconforto natural que o crescimento produz sempre pode ser reinterpretado.
Gosto de ser preenchido com as várias respostas e perguntas que encontro enquanto me movimento pelo mundo para depois chacoalhar a minha mente, curtir a confusão, quebrar-me em minúsculos pedaços, juntar tudo novamente e descobrir novas possibilidades de vida. A cada vez que me remonto, descubro-me mais e maior.
Por que não provar essa deliciosa salada de frutas?
4 comentários:
Elas, as não postiças, são tão difíceis de encontrar quanto à vida com suas perturbações é de se entender. Sempre saio perdendo nessa brincadeira de esconde-esconde. Talvez o divertido seja se entregar a este mistério e seguir vivendo conforme as pistas, o cheiro, as cores. Quem sabe assim consigamos um chá de erva doce.
Brincando de ler Nietzsche?! hahha
haha.. curioso! Eu imaginei que esse post nao haveria muitos comentários. Acertei! rs
sabe o melhor de sermos "montagens individualizadas"? è que, como mozaicos, podemos ir substituindo pedaços que já não fazem mais sntido.
Seus textos estão ótimos, Kelson!! Muito bom mesmo!! Vou acompanhar sempre!!
Abraço!!
Postar um comentário