domingo, 15 de agosto de 2010

|::| O menino do avião

Embora sempre ele mesmo, estando cada dia em um lugar diferente e cada dia em vários lugares, surge uma sensação de embaralhamento e de confusão. Sensação que às vezes ele percebe, às vezes não, como aquele formigamento nas pernas que só é percebido quando se levanta. Talvez por isso uma certa ansiedade: ele se levantou, e começou um processo de ampliação da sua própria percepção. Depois de iniciado esse processo, é, muito possivelmente, tarde para voltar atrás.

Com os pés frequentemente fora do chão, sem tocar a Terra, sempre entre os lugares, sempre em trânsito, indo ou voltando, nunca ficando, torna-se complicado sentir as regras do jogo. Fica difícil entender de que jogo, dentre os tantos que se jogam no mundo, ele participa. Essa sensação de não pertencimento, de se estar alheio aos fatos, alheio ao que acontece, faz com que ele se irrite, com freqüência. Por incrível que pareça, ele sente, talvez sem perceber, que também precisa encontrar as suas leis, o seu rumo, o seu norte.

Mas como dizer para ele que esse seu mundo acima da Terra é também o que o torna assim tão diferente? E como dizer que nas alturas, onde seus pés não tocam o chão, sua mente se encontra livre para inventar tantas possibilidades e crescer em direções tão novas?

Talvez um de nossos maiores dilemas seja conciliar a grande inovação e criatividade que brotam da ausência das regras com o seu potencial para a destruição. Como transitar entre os mundos, entre as terras, entre as cidades, e continuar mantendo em integração, numa só mente, os seus sentimentos, as suas emoções e os seus sonhos? Ele percebe que em algum momento pousará, e sente que só então poderá colocar em movimento os tantos planos que nutriu enquanto estava entre as nuvens.

Esse menino do avião, que voa entre os mundos, transitando entre os costumes e entre os muros, pousa sempre pouco conformado por perceber que, afinal, estar livre, cada dia em um lugar diferente, como se a cada dia iniciasse uma nova vida, é, afinal, uma perigosa prisão.

Será que quando ele voltar a ligar seus pés ao chão da Terra será capaz de organizar suas tantas idéias alimentadas lá no alto, pouco mais perto das estrelas? Após tanto embaralhar-se, tanto procurar-se e tanto perder-se, ele ainda pode ver que a direção que procura, o seu norte, é, no fim das contas, ele mesmo?