quinta-feira, 26 de fevereiro de 2009

|::| Hein?!

Ouvi dizer que o ano está começando hoje.

Hoje cedo fui comprar pão. Na fila, sem nada pra fazer, obviamente, a não ser esperar e ouvir as conversas alheias, escutei o seguinte:

 O senhor possui o cartão de "cliente mais"? - perguntou com muita simpatia a caixa do supermercado ao senhor que estava à minha frente, na fila.
 Não - ele respondeu, solícito.
 O senhor gostaria de incluir o CPF na nota fiscal?
 Não, obrigado.
 Houve algo que o senhor não encontrou em nosso estabelecimento?
 Não. Ou melhor, sim! Eu não encontrei aquele doce de Abricó importado.
 Ah, vou verificar para o senhor - disse a mocinha do caixa enquanto se dirigia a um homem de terno que estava passando por perto.

Enquanto isso, meu vizinho de fila parecia começar a exteriorizar uma certa impaciência. Virou-se pra mim, com cara de que me conhecia há tempos:
 Eu nem gosto de doce de abricó!
 Pois é, né? Tá quente hoje... - foi a única coisa que eu consegui dizer.

A mocinha voltou com cara de médico dando notícia ruim à família de algum doente.
 Desculpe, senhor, mas não temos. Não é época de abricó.
 Mas não é abricó, e sim doce de abricó!
 Pois é, senhor, mas três meses atrás não era a estação de abricó lá no México, de onde a empresa que fabrica o doce importa essa fruta.
 Tá bom, tá bom. Esquece o abricó.
 Senhor, o senhor gostaria de fazer um cartão "cliente mais"?
 Não!
 É rápido, senhor. E dará ao senhor uma série de vantagens!
 Não. Será que você pode passar logo as minhas compras? É que estou um pouco atrasado, sabe?
 Crédito ou débito?
 Débito.
 Pode digitar a sua senha, senhor.

Dirigindo-se ao rapaz que o ajudava a colocar suas compras nas sacolinhas, o senhor, que já não parecia tão atrasado, disse:

 Até que enfim o ano está começando! - "Meu, como assim? Até ontem era o que!?", pensou o rapaz, enquanto o senhor prosseguia. - O ano está começando hoje! Enquanto o carnaval não passa, nós, brasileiros, vagamos fora do tempo e do espaço. Que nem o pessoal da ilha de Lost, sabe?
 O que?
 Você não tá vendo a quinta temporada?
 Não!
 Ah, desculpe... O importante é que o carnaval passou. Aquele povo suado, balançando tudo... Tudo mesmo, sabe? Balança bem mais quando não tá preso, já reparou? Mas enfim, o ano só começa no Brasil depois do carnaval, sabia?

O rapaz não sabia bem se concordava ou se fazia cara de paisagem enquanto torcia para aquele louco pegar suas sacolas de compras e ir embora logo.

 Eu não sei, não...  continuou  mas após juntar algumas peças, estou começando a achar que estaremos a salvo do fim do mundo aqui no Brasil. Não é incrível?  O senhor parecia cada vez mais empolgado com a conversa, que neste momento tava mais pra monólogo. – Pense comigo. Deus é brasileiro. Tão dizendo que o mundo vai acabar em 2012. O ano aqui só começa depois do carnaval. Percebe? Percebe?  perguntava enquanto olhava eufórico para o rapaz, que a essa altura suava frio tentando encontrar um meio de sair correndo sem dar muito na cara.  Se tivermos sorte, e teremos, já que Deus é brasileiro, o mundo vai acabar antes do carnaval de 2012! Enquanto estaremos num limbo atemporal entre o fim de 2011 e o carnaval de 2012, o mundo vai estar acabando. Pense só! Vai ser só festa! Quarta-feira de cinzas com cinzas do mundo acabado. Imagine! Nada de dívida externa e de argentinos. Nem filmes franceses e nem bandinhas inglesas esquisitas. Seria o céu, não acha?  perguntou o senhor, sorrindo e de olhos fechados, sem saber que o rapaz havia escapado.

Peguei minhas sacolinhas e também dei um jeito de ir embora antes que ele abrisse os olhos e inventasse de procurar um novo ouvinte. Afinal, fiquei curioso pra conferir a quinta temporada de Lost...


sexta-feira, 13 de fevereiro de 2009

|::| Googlando

- Mãe, como eu nasci?
- Procura no Google!
- Procurei, mas o que é uma vagina, mãe?
- Procura no Google! Eu já disse!
- Mas mãeee, como vou ter filhos se não tenho uma vagina?!
- Marcos Henrique!!! Quantas vezes vou dizer pra procurar no Google? 
- Mas, mã....
- E além disso, cansei de dizer que você é menino. Escutou? ME-NI-NO! Procura aí no Google pra ver o que isso significa!
- Paiê! Ô paiê! Como eu nasci?!
- Amor, explica aí pro garoto!
- Eu não, já disse pra ele procurar no Google! Não era pra isso o computador novo?
- Mas... mor, você não acha meio arriscado esse negócio de internet?
- Quem disse isso? Você leu no Google?
- Não, amor. Mas....
- Se não foi no Google, foi onde, então?
- Ah, acho que vi na...
- TV? Ah, vai ver se eu tô lá no Google, vai? E me deixa em paz que eu achei os capítulos da novela no youtube.

Há anos Marcos debatia-se com a sensação de que havia algo de errado com ele. Sentia um vazio estranho que não cabia no campo de buscas do Google. Pra desespero de sua mãe, que depois de descobrir a Wikipedia tornou-se a rainha da sabedoria, Marcos ia minguando, desaparecendo. Diante da clareza arrebatadora do Google, ele era apenas um nada, um dvd virgem, um hard disk danificado. 

"Você precisa passar mais tempo com ele, Marquinhos", dizia sua mãe, referindo-se ao Google, claro. Tentativa após tentativa, sentado diante do computador, com as mãos trêmulas sobre o teclado, Marcos angustiava-se por não encontrar as palavras corretas capazes de expressar aquele buraco em sua mente. "Como vou procurar por algo que nem sei nomear?" Dia após dia, sua tristeza aumentava assim como aumenta a capacidade de armazenamento de um gmail. 

Criou uma comunidade no Orkut: "Eu já me procurei no Google". Era o único membro. Solitário. E os outros? Havia outros? Por anos Marcos acreditou estar sozinho. Voltava do colégio e fechava-se no quarto. Lia muito, pensava muito, buscava muito, teclava muito e descobria pouco sobre si. Desenvolvera uma estranha obsessão: toda noite, logo antes de dormir, ele silenciosamente ligava seu notebook e digitava "Marcos" no campo de buscas do Google. Fazia isso com intensa expectativa. Achava milhares de links que pesquisava de forma apreensiva, sempre imaginando o que faria quando topasse com ele mesmo. Mas não estava no Google. Não ele. Outros Marcos, sim, mas não ele. 

Enquanto seus colegas de classe pareciam estar florecendo, multicoloridos, preenchidos por aquela empolgação de quem está começando a se desconfiar invencível como todo bom adolescente, Marcos olhava-se no espelho e parecia enxergar uma folha murcha, seca, retorcida. Até já sentia-se velho e doente. Hipocondríaco, sempre após o almoço, ia com sua mãe até o computador, sentava-se ao lado dela, respirando com dificuldade, enquanto ela lia, na wikipedia, as descrições das doenças que o acometiam naquele dia. "Olha aqui, eu não disse que a gente ia encontrar um tratamento?" dizia sua mãe, esboçando um tímido sorriso que escondia sua imensa sensação de poder toda vez que encontrava algo na wikipedia. 

Certamente o que torna a história dos primeiros 18 anos da vida de Marcos tão interessante não é a felicidade. Após uma bela festa surpresa, ele trancou-se em seu quarto, ligou seu notebook, tirou de debaixo do colchão aquela faca mais afiada que roubara da cozinha dias antes, e cortou seu pulso direito. Observou atentamente aquele líquido de cor extraordinária às vezes escorrendo calmamente, às vezes fugindo de seu pulso em rápidos esguichos nervosos. Após alguns instantes em que sentiu como se o tempo houvesse parado enquanto viajava para mais longe de tudo o que conhecia, Marcos voltou sua atenção para o pulso esquerdo. Pensou rápido, e soltou um sorriso triste enquanto aquela lâmina um pouco ensanguentada perfurava sua pele. 

Com as duas mãos sobre o teclado, Marcos esperava encontrar as últimas palavras que digitaria, na expectativa de conseguir, afinal, encontrar suas respostas. Com os olhos fixos no espaço em branco do campo de buscas do Google, Marcos sentia-se também cada vez mais um espaço vazio à medida que seu sangue gotejava sobre o notebook. Sentiu uma leve fraqueza. Tudo escureceu por um segundo e quando tornou a abrir os olhos, Marcos teve o insight de sua vida! Rapidamente digitou "o que fazer para não morrer após cortar os pulsos". Calmamente procedeu de acordo com as orientações encontradas no Google. Embora sentindo-se bastante fraco, o sangramento parou e Marcos sentiu que sobreviveria. 

Antes de seus pais desconfiarem que algo estava errado e arrombarem a porta do quarto, Marcos ainda teve tempo de entrar no Orkut e ingressar na comunidade "Eu odeio cortar os pulsos". 

Sobre o insight:  Marcos percebeu que ele e o Google eram iguais, dotados de uma infinita profundidade escondida atrás de um espaço vazio.

quarta-feira, 11 de fevereiro de 2009

|::| Adeus, Tíxia!

Sempre desconfiei que meu apartamento era pequeno demais para ela. O carpete preto e velho, as paredes clamando por uma nova pintura, os livros empoeirados e a geladeira que não é nenhuma Brastemp. Eu nunca me preparei para recebê-la. Foi tudo muito rápido. Quando me dei conta, ela já estava me olhando com aquele ar distante, indiferente, parada perto da porta, à beira de seguir com sua busca incessante por respostas. 

Tentei seguí-la. A cada metro, Tíxia olhava para trás, talvez sem saber se devia prosseguir em sua jornada, ou talvez apenas para gravar minha imagem em sua mente enquanto eu a observava de longe. 


Ainda tive tempo de fotografá-la. Meus amigos já estavam a me chamar de louco, lunático. Ouvi muitos comentários, alguns até maldosos. "O que? Uma lagartixa chamada Tíxia? Você tá louco?"... "Você tá é precisando de uma namorada de verdade! Vai esquecer rapidinho dessa Tíxia"... "Você lá tem idade pra ter amigos imaginários? E ainda com esse nome estranho?!" Mas, é claro que todos estavam errados. Minha clareza mental prossegue incorruptível. E aí está a prova da existência da Tíxia. Teve gente até achando que a Tíxia era fruto de algum tipo de dupla personalidade que me acometeu após alguma das minhas batidas de cabeça frequentes enquanto lavo a louça, ou ainda a manifestação do meu alter ego. Para todos esses que duvidaram de mim, riram e me humilharam em praça pública, fiz questão de eternizar em jpeg a presença da Tíxia.

Tíxia Catarina, uma lagartixa de excelência. Nunca vou esquecer dos dias em que ela me iluminou com sua presença imperceptivelmente prazerosa. Ela sempre deixou bem claro sua aversão à rotina. Certamente a monogamia nunca foi seu valor dominante. Mesmo tendo vencido sua dificuldade para estabelecer relacionamentos duradouros, Tíxia é uma Largatixa do mundo, cosmopolita, à frente do seu tempo. Enquanto suas colegas comiam mosquitinhos, a Tíxia já estava a devorar pernilongos. As outras escalavam portões enquanto Tíxia já subia alto nos arranha-céus de São Paulo. 

Tíxia, uma lagartixa malandra. Nem bem me virei e ela já estava lá, esparramada, à beira da porta do vizinho. Acreditam? Sim! Do vizinho! Se não acreditam, vejam a foto!


Tíxia deixa, portanto, meu apartamento para viver novas aventuras. Deixa também muitos fãs desconsoláveis. Mal tornou-se a estrela deste blog, e ela já estava pensando em vôos mais altos. Quem sabe ela não aparece no blog do vizinho?! Ou ainda no blog da esquina, aquele da fofoca e fifim do mundo? 

Esperemos. Em último caso, vê-la-emos no juízo final que, afinal, tá perto, não é?

segunda-feira, 9 de fevereiro de 2009

|::| Relativizando-me

Mas vamos voltar ao trabalho. 

Ao trabalho de reconstrução e reforma incessantes de minha consciência. Há momentos em que sinto aquela fome por vida e conhecimento que me faz andar até muito longe e voltar, logo depois, mastigando, digerindo, processando experiências e me relativizando. 

O caminho de volta é sempre revelador. Acredito ser essas constantes e cíclicas fugas e voltas a mim mesmo que me fazem cada vez maior. Em cada ida eu me torno um monstro estranho, carregado de conhecimentos rígidos frequentemente desconexos. No retorno vou reposicionando as novidades até ser capaz de me perceber mais rico e interessante. É claro que a cada volta sou parcialmente uma nova pessoa. E de parcialmente em parcialmente, descubro que sou completamente outro. 

Ser outro sem ser o outro, eis um grande segredo que se revela individualmente. Absolutizar na ida, relativizar na volta. À primeira vista, tudo parece ser o que parece. É o tornar a ver que permite a libertação da escravidão das absolutizações, embora tornar a ver não seja o mesmo que um ver de novo passivo. Refiro-me ao exercício, às vezes doloroso, de estabelecer novos relacionamentos entre aquilo que vemos, ouvimos e pensamos, e as outras tantas percepções e compreensões possíveis. 

Relativizar nada mais é do que enxergar os relacionamentos que existem entre todas as coisas. É reconhecer que nada é independente de tudo. Relativizar-me é, portanto, tornar-me consciente das relações que são a matéria-prima para a construção de mim mesmo.

sábado, 7 de fevereiro de 2009

|::| Voz e violão

Ontem tive o incrível, fantástico, inenarravelmente magnífico prazer total de assistir à gravação de um show do multitalentoso compositor, violonista e cantor João Alexandre, que fará parte de seu primeiro DVD. Embora com mais de 20 anos de carreira, eu só fui "descobrir" o João há cerca de 9 anos. Na verdade, descobri que muitas das músicas que compunham as minhas listas top 10, top 20.. etc, eram dele. Melhor ainda foi estar acompanhado de vários amigos especiais como o Jitomon, Josuélson, Giovanni e Daniel. Poderia ter sido ainda mais legal se outros estivessem ali conosco, como o Alessandro, que devido a um imprevisto não pôde nos acompanhar. Mas, certamente, haverá outras oportunidades. 


Ah... num momento singular de tietagem, ainda tirei fotinhos com o cara. Vai que talento pega, né?


É claro que depois de toda essa propaganda, você que está visitando meu humilde blog sentirá uma vontade incontrolável de também se deliciar com o trabalho do João. Faça esse bem à sua vida! Penso até em postar aqui uma lista com pelo menos as 20 ou 40 ou 60 músicas mais espetaculares, na minha opinião, para que vocês possam ouví-las e concordar comigo quando eu digo que o João rox. Se ainda houver espaço no mundo para se fazer um bom uso da palavra "profeta", eu a aplicaria a ele.