sexta-feira, 13 de fevereiro de 2009

|::| Googlando

- Mãe, como eu nasci?
- Procura no Google!
- Procurei, mas o que é uma vagina, mãe?
- Procura no Google! Eu já disse!
- Mas mãeee, como vou ter filhos se não tenho uma vagina?!
- Marcos Henrique!!! Quantas vezes vou dizer pra procurar no Google? 
- Mas, mã....
- E além disso, cansei de dizer que você é menino. Escutou? ME-NI-NO! Procura aí no Google pra ver o que isso significa!
- Paiê! Ô paiê! Como eu nasci?!
- Amor, explica aí pro garoto!
- Eu não, já disse pra ele procurar no Google! Não era pra isso o computador novo?
- Mas... mor, você não acha meio arriscado esse negócio de internet?
- Quem disse isso? Você leu no Google?
- Não, amor. Mas....
- Se não foi no Google, foi onde, então?
- Ah, acho que vi na...
- TV? Ah, vai ver se eu tô lá no Google, vai? E me deixa em paz que eu achei os capítulos da novela no youtube.

Há anos Marcos debatia-se com a sensação de que havia algo de errado com ele. Sentia um vazio estranho que não cabia no campo de buscas do Google. Pra desespero de sua mãe, que depois de descobrir a Wikipedia tornou-se a rainha da sabedoria, Marcos ia minguando, desaparecendo. Diante da clareza arrebatadora do Google, ele era apenas um nada, um dvd virgem, um hard disk danificado. 

"Você precisa passar mais tempo com ele, Marquinhos", dizia sua mãe, referindo-se ao Google, claro. Tentativa após tentativa, sentado diante do computador, com as mãos trêmulas sobre o teclado, Marcos angustiava-se por não encontrar as palavras corretas capazes de expressar aquele buraco em sua mente. "Como vou procurar por algo que nem sei nomear?" Dia após dia, sua tristeza aumentava assim como aumenta a capacidade de armazenamento de um gmail. 

Criou uma comunidade no Orkut: "Eu já me procurei no Google". Era o único membro. Solitário. E os outros? Havia outros? Por anos Marcos acreditou estar sozinho. Voltava do colégio e fechava-se no quarto. Lia muito, pensava muito, buscava muito, teclava muito e descobria pouco sobre si. Desenvolvera uma estranha obsessão: toda noite, logo antes de dormir, ele silenciosamente ligava seu notebook e digitava "Marcos" no campo de buscas do Google. Fazia isso com intensa expectativa. Achava milhares de links que pesquisava de forma apreensiva, sempre imaginando o que faria quando topasse com ele mesmo. Mas não estava no Google. Não ele. Outros Marcos, sim, mas não ele. 

Enquanto seus colegas de classe pareciam estar florecendo, multicoloridos, preenchidos por aquela empolgação de quem está começando a se desconfiar invencível como todo bom adolescente, Marcos olhava-se no espelho e parecia enxergar uma folha murcha, seca, retorcida. Até já sentia-se velho e doente. Hipocondríaco, sempre após o almoço, ia com sua mãe até o computador, sentava-se ao lado dela, respirando com dificuldade, enquanto ela lia, na wikipedia, as descrições das doenças que o acometiam naquele dia. "Olha aqui, eu não disse que a gente ia encontrar um tratamento?" dizia sua mãe, esboçando um tímido sorriso que escondia sua imensa sensação de poder toda vez que encontrava algo na wikipedia. 

Certamente o que torna a história dos primeiros 18 anos da vida de Marcos tão interessante não é a felicidade. Após uma bela festa surpresa, ele trancou-se em seu quarto, ligou seu notebook, tirou de debaixo do colchão aquela faca mais afiada que roubara da cozinha dias antes, e cortou seu pulso direito. Observou atentamente aquele líquido de cor extraordinária às vezes escorrendo calmamente, às vezes fugindo de seu pulso em rápidos esguichos nervosos. Após alguns instantes em que sentiu como se o tempo houvesse parado enquanto viajava para mais longe de tudo o que conhecia, Marcos voltou sua atenção para o pulso esquerdo. Pensou rápido, e soltou um sorriso triste enquanto aquela lâmina um pouco ensanguentada perfurava sua pele. 

Com as duas mãos sobre o teclado, Marcos esperava encontrar as últimas palavras que digitaria, na expectativa de conseguir, afinal, encontrar suas respostas. Com os olhos fixos no espaço em branco do campo de buscas do Google, Marcos sentia-se também cada vez mais um espaço vazio à medida que seu sangue gotejava sobre o notebook. Sentiu uma leve fraqueza. Tudo escureceu por um segundo e quando tornou a abrir os olhos, Marcos teve o insight de sua vida! Rapidamente digitou "o que fazer para não morrer após cortar os pulsos". Calmamente procedeu de acordo com as orientações encontradas no Google. Embora sentindo-se bastante fraco, o sangramento parou e Marcos sentiu que sobreviveria. 

Antes de seus pais desconfiarem que algo estava errado e arrombarem a porta do quarto, Marcos ainda teve tempo de entrar no Orkut e ingressar na comunidade "Eu odeio cortar os pulsos". 

Sobre o insight:  Marcos percebeu que ele e o Google eram iguais, dotados de uma infinita profundidade escondida atrás de um espaço vazio.

5 comentários:

Jonathan disse...

... Infelizmente não é só o Marcos e sua família que buscam respostas essenciais p/ a vida em Lugares e ambientes Vazios.

Texto muito interessante!
Abraço

Anônimo disse...

Interessante. Meio "tragicomédia", mas ao mesmo tempo cheio de reflexão e sutileza. Original e despretencioso.

Excelente!

Fazia tempo que um texto não me prendia a atenção.

Alessandro Gruber disse...

__________________
|__________________| Pesquisar

Pesquisar???

Por que?

Na maioria das vezes, a verdadeira reposta não precisa de pesquisa, precisa de reflexão para encontrá-la dentro de vc.

Kelson, muito bom esse texto.

jito disse...

droga!

EU queria ter escrito isso! rs

Camila disse...

Que texto Kélson, estou sem palavras. Nunca tinha visto alguém escrever tão explicitamente sobre a realidade do nosso mundo de tal forma. Esta pequenina ilustração descreve a família de hoje em dia. Fria, prática. Não existe mais a valorização do tempo em família, de uma família saudável dentro do padrões que Deus nos deixou.
Parabéns pelo texto! :)