sexta-feira, 30 de janeiro de 2009

|::| Tíxia, a lagartixa

Decidi escrever um livro. Alguma sugestão?
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Após ter meu apartamento invadido por uma simpática lagartixa, que a partir de agora atende pelo nome de Tíxia Catarina, enxerguei o real sentido do mundo e decidi escrever um livro.

É claro que vou começar falando da Tíxia. Ela é um pouco malandra, entende? Cresceu por aí. Sem eira nem beira. Órfã, aos vinte e três dias de idade já havia sido expulsa a vassouradas pela dona da loja da esquina. Nunca entendeu porque mesmo dando facilmente um pedaço de si, o rabo, era incapaz de estabelecer relacionamentos sólidos e duradouros. Será que deveria doar-se menos?

Mas que culpa ela tem? Foi criada assim. Sua natureza é essa. Bastou um toque, de leve, e o rabo fica pra trás. As baratas da equipe de revesamento 4x10 m disseram que o problema é que as pessoas sentem-se embaraçadas quando topam com um rabo sem dono. 

Durante semanas, Tíxia deixou de acreditar em qualquer existência superior. "Por que nasci uma lagartixa de rabo solto?" O que ela não suspeitava era que todas as lagartixas nascem assim.

Tíxia só iniciou o tortuoso processo rumo à auto-consciência quando ouviu dois pernilongos cantores planejando a dominação do mundo. Naquele instante, seu coração encheu-se de força, sua vida tornou-se cheia de propósito, e Tíxia começou a entender o seu papel no universo! 

Após evitar a concretização dos planos maquiavélicos da dupla sertaneja de sugadores de sangue, Tíxia, lembrando-se de algo que havia escutado andando pela rua, decidiu sair em busca de um tal oráculo, conhecido pelo estranho nome de "Google". Foi aí que Tíxia entrou em meu apartamento, onde tranquilamente, já que não sou adepto da matança gratuita dos pequenos seres, encontrou suas respostas. Descobriu que seu problema de "rabo solto" nada mais é do que uma característica de sua espécie. 

No fim das contas, Tíxia é uma lagartixa, demasiada lagartixa.

sexta-feira, 23 de janeiro de 2009

|::| Bom, bonito e barato

Ele era um cara valente. Bom de briga, sabe? Do tipo "vai encarar?" Aos três anos já havia destruído um exército de comandos em ação. Sua irmã, coitada, apenas dois anos mais velha, enterrara sua Barbie no cemitério da família, prevendo um fim violento para sua mais querida posse, após testemunhar o transplante de rins, sem anestesia, que ele insistia ser essencial para que Susi continuasse a viver. 
Dois anos depois, durante uma fase mais zen, ele juntou todos os seus cavaleiros do zodíaco para uma meditação coletiva, em busca de desenvolver o décimo sentido, que lhe permitiria enxergar através das paredes. Frustrou-se porque só conseguiu chegar à metade do quinto, que consiste na interessante habilidade de ver pelo buraco da fechadura. Triste, sim, porém nunca desanimado, após alguns anos perseguindo seu objetivo, ele ainda foi capaz de aprender a incrível habilidade de decifrar as legendas das fotos da Revista Caras. 

Sim, ele era bom. Ele era ele. Ele era mais que ele. Ele estourava bexigas com as grafites de sua lapiseira prateada. Ele pintava quadros surrealistas usando apenas uma mão. Descia o escorregador com os braços para cima e olhos fechados. Ele tinha espírito aventureiro. Radical. Vivia perigosamente. Tocava a campainha dos vizinhos e ainda contava até cinco antes de correr. No esconde-esconde, só brincava de óculos escuros e fones de ouvido. No pega-pega, só abria o olho esquerdo.

O que ele não imaginava é que aos treze anos enfrentaria o pior de todos os pesadelos juvenis: a sétima série. Nunca mais seria o mesmo. Pra piorar, sua irmã, agora com quinze anos, menstruava, beijava garotos na frente dele e dançava lambada com a vassoura. Sua valentia minguava, pouco a pouco. Mesmo com doses cavalares de sustagem e biotônico, ele se via diminuindo, secando, degringolando.

Em fevereiro de 2012, quando viu no plantão da globo que o mundo já estava acabando, ele não sabia se sorria ou se chorava, se corria ou se deitava. Só um pensamento pulsava em sua cabeça: o mundo vai acabar de trás pra frente, ou de frente pra trás?

terça-feira, 20 de janeiro de 2009

|::| Seis e meia na praça

            O sol ainda está no céu. Vai descendo aos poucos. A luz passa pelas nuvens e atravessa os espaços vazios do mundo. As janelas abertas. As sombras das árvores. Umas poucas pessoas que andam pela rua. Uns poucos pássaros que voam. Os sentimentos se confundindo. É nesse momento, em que a noite chega devagar, que sentimos o dia. Mais um. Pra muitos, algumas horas. Para alguns, uns últimos instantes. Ainda pra outros, os momentos. Pra mim, chegou a hora de parar. Pensar que fiz o que queria é um verdadeiro engano.

            O sol, cada vez mais escondido. Fugindo.

            A praça já está vazia. Só eu. Sentado num banco. Perto de uma árvore. Observando. Vendo o mundo passar. É o momento em que penso como seria estar sozinho no mundo. Talvez esteja. Pensar que olhando dentro dos olhos da pessoa mais próxima de mim pode ser revelação de que estou infinitamente distante dela. E isso é belo e aterrorizador. É até uma sensação de que estou num abismo, ou que os olhos do companheiro ao lado são o abismo e que podem devorar o que penso ser eu. Buraco sem fundo. Buraco absurdamente sem fundo.

            Mas a praça, esta praça às seis e meia da tarde, parece ir se desintegrando aos poucos. Perde partes de si. Já não correm as pequenas criaturas. Já não correm as criaturas pequenas, os seres, os humanos. Só eu. Só o cara da praça às seis e meia da tarde. Sentado num banco. Observando e tentando entender como as sombras podem dar lugar à escuridão conforme o sol se despede. Despede-se de quem? De um monte de matéria talvez. Matéria ou espíritos? É algo pra se pensar enquanto olhamos pela janela do ônibus que nos leva à nossa casa.

            O banco. Este banco sobre o qual estou. Estou sentado. Com as pernas cruzadas, balançando o pé direito e vendo o tempo passar. E eu sei que ele passa, pois o dia vai escurecendo aos poucos, agonizando. O céu está vermelho: símbolo de seu sofrimento. O banco está quase vazio. Talvez se alguém passasse neste instante por aqui eu o convidaria para sentar-se ao meu lado.

            Mas o banco. O banco já está quase vazio. Quem sabe se passados dois minutos ainda estarei aqui? Se nem eu – eu que penso sentado no banco às seis e trinta e um da tarde numa praça no meio de uma cidadezinha com um céu sofrendo e um sol se despedindo em agonia – sei se estarei aqui durante os próximos dois minutos.

            O chão. Esse chão que serve de túmulo para tantas folhas que caem das árvores. Esse chão é pra onde olho quando caminho pensando no que deixo pra trás cada vez que permito que uma perna se dirija ao futuro. Se bem que esse negócio do tempo é tão esquisito... Há um minuto eu estava a pensar sobre os vazios por onde os últimos raios solares passavam. Agora também penso nisso. Mas nem por isso agora é seis e meia da tarde. Quase nada mudou neste último minuto, a não ser a minha cabeça. Os meus pensamentos. Não mudaram, cresceram. Há um minuto eu ainda não havia chegado à conclusão de que as pessoas estão separadas por distâncias absurdas, por pensamentos inúmeros e desejos irrealizáveis. E se penso isso agora, devo ao último minuto em que decidi permanecer sentado num banco de praça vendo o tempo passar, observando, refletindo sobre o céu, o sol, a praça, o banco, o chão, e também sobre mim, sobre o mundo, sobre a matéria e talvez, se me foi permitido, sobre o espírito.

            Eu sentado num banco de praça vendo o tempo passando, as folhas caindo, o céu sofrendo, o sol agonizando, sentindo o tempo passando com os pensamentos crescendo. Eu sentado num banco de praça às seis e trinta e um e quase dois. Eu que resolvi parar. Eu que decidi que essa era hora de parar, sentar-me num banco e ver que posso não saber sobre dois minutos de minha vida.

            E quando os ponteiros resolvem tomar mais um minuto meu, mesmo com a possibilidade de descobrir mais sobre o abismo que há entre as pessoas, levanto-me. Caminho em direção ao ponto de ônibus.

            Seis e trinta e dois, esperando um ônibus passar e me levar. Levar pra casa enquanto penso se o sol sabe sobre sua própria agonia despedindo-se das coisas.

 

(Talvez meu relógio esteja parado. E se me iludi pensando que se passaram dois minutos quando na verdade podem ter-se passado cinco minutos? Espero que o ônibus não demore).


Escrito em 30/09/2001

segunda-feira, 19 de janeiro de 2009

|::| Pererecando

Não é de hoje que dizem que o mundo vai acabar em 2012, né? Isso não é uma grande novidade. Alguns anos atrás, eu já havia entrado em contato com textos, artigos e outros escritos sobre as supostas mudanças pelas quais o nosso mundinho passará daqui a alguns anos. Mas e o Quico? Não me digam que se vocês soubessem que o mundo vai acabar daqui a 3 anos vocês estariam vivendo de forma diferente, hein? Ué, se vocês pensam que há coisas que deveriam fazer antes de morrer, então porque já não estão fazendo?! Já que, não que eu queira assustá-los... mas, vocês sabem que podem desencarnar, desemcapar, desencadernar, passar dessa pra uma melhor (ou pior), ir pro andar de cima (ou de baixo), virar poeira estelar, tornar ao pó, falecer, enfim, morrer, a qualquer momento, não é? Espero que já estejamos todos procurando viver de acordo com as nossas crenças a respeito do que é ter uma existência significativa. 

Que bonito isso... estou sentindo que este post está meio auto-ajuda. Fico tão feliz quando isso acontece...

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Mudando de assunto. Obrigado aos amigos que têm acompanhado este blog. Um obrigado especial aos que além da visita, ainda me deixam seus comentários, que são essenciais para que eu queira continuar com esta brincadeira. 

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Como já perceberam, hoje estou meio sem assunto. Mas, mesmo assim, quis passar pra mostrar que estou vivo e operante. Bastante vivo, e muito operante também, hehe. (Desculpem... isso foi uma piada "interna"). 

Amanhã talvez eu coloque mais um textinho. Espero que gostem.

quarta-feira, 14 de janeiro de 2009

|::| Algo que não fiz

[Como os mais próximos sabem, eu não vivo só de reflexões obscuras e complicadas... De vez em quando também escrevo sobre aqueles aspectos mais comuns da nossa vida. Ué. Paixões frustradas, dores de cotovelo, amores bem-sucedidos, sapatos novos, restaurantes legais, bons filmes e livros,  enfim... por incrível que pareça, não vivo de pensar sobre o sentido último das coisas. Eu também como, bebo, beijo, e assim por diante. Não preciso dar os detalhes, não é? Pra provar que sou normal, hehe, eventualmente vou postar alguns dos meus contos e crônicas... escritos nesses últimos 10 anos. Alguns talvez até sejam divertidos.... Enjoy!]

[Pra começar... um texto de 2001... sobre aqueles momentos de passividade que nos angustiam]

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E difícil é quando me pergunto qual o objetivo de minhas indagações... Pois já nem sei se aquilo que penso é realmente o que penso. E já nem sei até onde vai o meu pensamento e o pensamento alheio. E não consigo distinguir a minha pessoa do resto da multidão. Se eu ou eles. As frases nas quais penso são de outros; as que tento inventar, não invento, pois já foram inventadas... Os livros estão todos escritos. Os contos já escaparam e vagueiam entre os mundinhos de cada um. Os romances... esgotaram-se. E sinto que tudo já foi feito. Tudo já foi vivido. Mas eu não fiz nada! Outros fizeram! E contaram. Espalharam. E tudo pode ser lido. E pode ser dito. E vivido...?

            Pois então contarei o que não vivi.

            Eu não conheci a pessoa que eu quis. Somente a olhei, de longe. Algumas vezes olhei de perto. Mas não sei se ela me viu. Não perguntei. E nem quis faze-lo. Pois o que eu não faria se descobrisse que ela não é a pessoa que eu quis? E se eu percebesse que ela não podia mais ser um sonho?

            Sonho é o que era. Pois não a conhecia. Só a via num momento do dia. Todos os dias. Mas aqui dentro eu a via, sentia. O gosto, o cheiro, o som, a consistência. Mas não a conhecia. Pois não sabia se podia.

            Certa vez enquanto almoçava ela passou ao lado da mesa à qual eu estava sentado. Obviamente eu não olhei pra ela. Nem sorri. E também não descobri se ela desviou o olhar para a minha direção. Nunca vou saber, pois não vou perguntar... E a partir daquele momento eu não podia mais conter a ansiedade de vê-la passar ao meu lado. Perguntava-me: será que ela já não percebeu que eu a quero?

            Procurava andar pelos mesmos lugares. Seguia seus passos. Mas não quando ela estava por perto. Seguia o trajeto que eu imaginava que ela teria feito. Toda vez que tinha a oportunidade eu inspirava profundamente tentando sentir o seu cheiro. Mas não sentia. Eu não me aproximava o suficiente. Mas lá dentro eu sabia como era. Era... não sei!

            Não vou descrevê-la. Isso os românticos já fizeram. Está tudo lá nos livros. É só ler. Todos já sabem como ela é. Sabem até de suas emoções, e sentimentos. Mas eu só imagino como são, pois não tentei descobrir. Nunca perguntei.

            E o tempo foi indo. A vida foi indo. Eu não. Eu permaneci. Não a conheci. Não falava com ela. Não passeava com ela. Não a beijava, nem a sentia. Mas sabia a cor dos seus olhos. Não eram castanhos. Não eram negros, nem verdes. Seu cabelo não era ruivo, nem loiro. As roupas que vestia não eram feias, nem velhas, nem sujas.

            Bem, já percebi que isso tudo que eu não fiz não interessa a ninguém. Pois todos já sabem... Já viveram. Leram. Sonharam. Só eu que não. Pois me recusei a isso. O que adianta viver aquilo que não se vive? Não quis me enganar. Isso eu não fiz.

            A conclusão do romance que não vivi é a seguinte: não conheci, não toquei, não senti, nem vivi. Não me decepcionei, não chorei, só sonhei. E hoje não tenho que me fazer a pergunta: “Foi tudo real?” A resposta eu já sei; é "não". Não foi real, pois não foi. Não foi nada. Foi talvez uma brisa. Ou talvez um abrir e fechar de olhos. Ou ainda o arrepio frio de uma tarde ventosa de outono. Mas de uma coisa eu sei: Não foi um romance!

 

Kelson Fernandes

Escrito em 23/08/2001

terça-feira, 13 de janeiro de 2009

|::| Abrindo o livro de receitas

Sim, tenho brincado de ler Nietzsche. Às vezes é preciso, ué. 

Talvez o normal seja buscar respostas aos conflitos que vivemos, mas, ao invés disso, tenho buscado o material necessário para que eu torne inteligíveis as questões que me atormentam e estimulam tanto. Mesmo porque não quero me satisfazer com respostas postiças. Assim como não me contento em viver uma vida postiça, uma vida que não é a minha. Obviamente, sou uma montagem individualizada a partir de muitos elementos já existentes. A novidade não está nas partes, mas no todo único e original que é a vida de quem escolhe pagar o preço de uma existência sincera. Há anos venho pagando esse preço. Às vezes em suaves prestações, às vezes não. Talvez seja aquele processo ao qual o fundador da psicologia analítica aplicou o termo "individuação". Não sei se é padecer no paraíso, ou rejubilar-se no inferno.

Gosto muito do uso que a antropologia faz do conceito de "bricolagem" para descrever a formação das culturas. Acredito que nós também somos frutos de usos e reúsos, de interpretações e reinterpretações, de montagens complexas e articulações multivariadas. Talvez por isso eu continue escolhendo enxergar  novas cores nessa tão multicolorida forma de vida, que é o ser humano. Mais que isso. Não se trata apenas de nossa espécie, mas de tudo: do ar, do mar, do amar, enfim, do universo. 

Mas o alargamento de nossa percepção, o processo de abertura de nossa visão e da sensibilização de nossos olhos à riquíssima gama de cores que a vida possui, é inevitavelmente acompanhado de uma certa dor, embora seja engraçado constatar que a dor não é inevitavelmente dolorosa. O desconforto natural que o crescimento produz sempre pode ser reinterpretado.

Gosto de ser preenchido com as várias respostas e perguntas que encontro enquanto me movimento pelo mundo para depois chacoalhar a minha mente, curtir a confusão, quebrar-me em minúsculos pedaços, juntar tudo novamente e descobrir novas possibilidades de vida. A cada vez que me remonto, descubro-me mais e maior.

Por que não provar essa deliciosa salada de frutas?

sexta-feira, 9 de janeiro de 2009

|::| Tornar-se o que se é

Aquela busca inquietante por sentido, provavelmente iniciada logo após a primeira satisfação das necessidades humanas mais urgentes, volta e meia retorna e me pega de jeito. Após milhares de anos, a pergunta do Sábio ainda surge semi-oculta entre as confusões de pensamentos, emoções, sentimentos e desejos que me preenchem. "Que proveito tem o homem, de todo o seu trabalho, com que se afadiga debaixo do sol?".

A feliz e triste percepção da passagem do tempo é a semente para a procura por sentido. Aos que se permitem percorrer essa desesperadora e incrível jornada, reserva-se a dádiva e a maldição de se tornar o que se é.

E vacilo entre o êxtase da sincera auto-realização daquilo que sou, e o amargo sabor das mentiras e das reinterpretações às quais me submeto. Torcendo sempre para que aquilo que sou seja algo mais bonito do que a constatação de que absolutamente não sei o que sou. Exceto, que sou "humano, demasiado humano".

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Como viram, finalmente realizei o sonho de tornar possível, a quem desejar, inscrever-se e ser avisado quando houver novos posts. Basta inserir o e-mail nesse campo ali do lado direito da tela.

Ouvi dizer que de 2012 não passa, então, aproveitemos o tempo. Escrever e saber que pelo menos alguém encontra alguma satisfação nisto tudo me fazem uma pessoa bem mais feliz.

Respondendo ao "anônimo" do post anterior: Sim, realmente o plano é escrever textos mais curtos para o blog. E são curtos..., uma hora eu mostro o que é um texto longo. Ué.

Aos que se debatem na busca pela "total compreensão de tudo", como eu: tenham calma! Talvez nem tudo precise ser decifrado, entendido, explicado e julgado. Há coisas que apenas são pra serem sentidas e vividas.


sexta-feira, 2 de janeiro de 2009

|::| Olá, 2009!

Frequentemente somos ambíguos. Agindo com ou sem objetivos definidos, sempre há uma parcela de nossos atos que escapam ao nosso total controle consciente. Embora o planejamento, a objetividade e a consciência contribuam para que obtenhamos resultados esperados, sempre há variáveis que nos escapam. Eu, muitas vezes, não sei  bem quais serão os frutos de alguns atos. Penso que isso é natural. Afinal, eu, assim como, acredito, todos os seres humanos, não enxergo o futuro. Por isso, escolhi moldar meu comportamento de forma a atender certas exigências das minhas crenças a respeito da natureza e (des)propósito das coisas.

No fim das contas, sempre agimos de acordo com articulações complexas entre as informações que obtivemos, as nossas emoções e os nossos pensamentos. Alguns dizem que para entendermos o nosso comportamento, devemos buscar suas origens nas informações com as quais entramos em contato desde o nosso nascimento. Essas informações gerariam emoções, pensamentos, atitudes, e por fim os resultados que colhemos. Mas, talvez haja um porém na aparente perfeição dessa linha de explicação: nossa mente não funciona como a esteira automatizada de uma linha de produção linear. Não sei se é possível haver a assimilação de qualquer informação sem que esta, desde sua entrada em nossa mente, já se ligue a emoções, sentimentos e pensamentos. 

Em outras palavras, uma vez que a engrenagem de nossa vida mental é iniciada, torna-se muito difícil saber onde começa e onde termina o processo que dá origem às nossas ações. Entretanto, há uma palavra curiosa em nosso vocabulário que bagunça ainda mais essa brincadeira: escolha. Acreditamos que possuímos o dom da escolha. Escolhemos o que comer, com quem nos casar ou não nos casar, o que ler e por onde andar. 

O problema é que acreditamos que podemos escolher porque escolhemos acreditar que podemos. Consequentemente, todas as nossas escolhas resultam de escolhas fundamentais que constroem as nossas crenças. Você pode escolher comer arroz com feijão, ou só arroz ou só feijão, não é? Mas pode escolher comer ou não comer? Até quando pode escolher não comer? E quando não puder mais não escolher comer, poderá ainda assim escolher entre o arroz e o feijão? E se houver só arroz, que escolha estará disponível?

Quando escolhemos refletir sinceramente sobre tudo isso, começamos a desenvolver uma sensibilidade maior em relação à vida humana. Passamos a ver que as nossas escolhas muitas vezes são tão limitadas pelas possibilidades que enxergamos ou até mesmo pelo tempo, que poderíamos até dizer que não temos escolha. Apesar disso tudo, eu escolhi acreditar que sim, realmente possuímos o dom da escolha, sem esquecer que há escolhas que absolutamente não estão ao nosso alcance.

Quanta crueldade existe porque as pessoas tomam decisões equivocadas que as afastam cada vez mais da capacidade de se enxergar nos outros. A empatia, talvez o maior de nossos dons, torna-se cada vez mais obscurecida conforme escolhemos não enxergar que no fundo do profundo de todos nós, somos menos livres do que pensamos ser, e mais livres do que gostaríamos de ser.

Enquanto todos estão falando da chegada do novo ano, por que não levarmos um papo sobre as nossas escolhas?