domingo, 6 de junho de 2010

|::| Dos gelos e demais manifestações da água

Embora muito pouco frio em comparação com aqueles lugares do mundo onde o frio é realmente frio, aqui, para mim, está bem frio agora. Horas atrás, quando abri os olhos e vi que havia sol novamente e, dessa forma, constatando que estava acordando num novo dia, eu me dei conta de que estava mais frio do que quando me escondi sob edredons e cobertores um pouco fedendo a pó, enquanto ainda estava escuro e a dúvida corria solta nos comentários de que o sol não se ergueria novamente. Comentários sussurrados por aquelas vozes que só ouço quando fecho os olhos e junto o travesseiro à minha face, ou minha face ao travesseiro (não sei bem, e isso, convenhamos, é um pouco irrelevante, pois o resultado é, simplesmente, o mesmo).

Fiquei, talvez, aliviado. Alívio de conseguir, pela primeira vez, sentir que é possível, sim, recomeçar. E um sentimento de "talvez" porque, afinal, talvez não seja a primeira vez. Na verdade, eu nunca sei muito contar e nem conto muito com essa capacidade, desde que percebi que a possibilidade de contar os números alcança o infinito, ou seja, alcança nada. Eu gostaria, claro, de saber quantas vezes já acordei com aquela sensação, mas não sei, mesmo.

Por alguns instantes franzi a pele da testa, fiz pressão sobre meus olhos, procurando resgatar a memória das histórias que se desenrolaram em minha mente enquanto eu dormia. Consegui me lembrar de algumas cenas. Eu estava numa casa nova, com novos móveis, andando e tentando descobrir o que mais haveria de novo. Andei por alguns cômodos, e num lugar que parecia muito com uma cozinha, havia uma cachoeira de lava. Talvez por ser um sonho e nos sonhos eu não ter muita noção do perigo, caminhei em direção à cachoeira e, como se estivesse pra me molhar em alguma bica de água gelada num dia quente e com sol forte em ubatuba, entrei embaixo daquele líquido vermelho incandescente. A surpresa, que seria bizarra se não fosse um sonho, foi que a lava era gelada. Senti como que me banhando com gelo derretido.

Percebendo que minha mente não fofocaria muito além disso a respeito do meu mundo dos sonhos, decidi me levantar. Caminhei até a sala, liguei a TV. Sempre deixo a TV ligada quando estou sozinho. Fui à cozinha, beber a água num copo, e não pude evitar a irritação forte de ver tanta louça suja. Tentei me afastar da cozinha, mas como se a força da gravidade houvesse feito um acordo com a minha louça suja, fui atraído de volta. Abri a torneira e comecei.

Com as mãos sendo molhadas pela água fria que saía da torneira, senti algo que estava guardado há anos em algum lugar pouco acessado da minha memória: a liberdade. Esse vínculo emocional com a limpeza da louça, que criei anos atrás naquela época mais complicada, permaneceu e, agora, posso usá-lo, mais uma vez, a meu favor.

Está um pouco menos frio agora. Talvez se eu começasse esse texto novamente, conseguiria escrever algo mais divertido. Mas, a criatividade e o humor serão guardados para o próximo. Afinal, nada como lavar a sua própria louça suja num dia frio.