segunda-feira, 18 de outubro de 2010

|::| O caminho dos cães

De tanto bater, a porta finalmente se abriu. Seu desespero transformara-se em muitas gotas de um suor frio que escorria por suas costas, por sua face e por suas pernas. Gritara tanto e, mesmo assim, nunca se sentira num silêncio tão desolador. Invadido pelo medo, pela desconfiança. Arruinado pela descrença.

Anos atrás, ainda criança, quis entender o caminho dos cães abandonados. Perguntou muitas vezes a si mesmo e a tantos outros para onde vão os cachorros que andam sem rumo aparente pelas ruas do mundo. Nunca obteve respostas significativas ou minimamente coerentes. E questionava-se se as entenderia, caso as recebesse.

Foi encontrado dormindo no chão, debaixo de uma ponte. Com apenas 11 anos, inventou de seguir aquele viralata magrelo e bastante fedido que encontrara em frente à escola. Não descobriu para onde o cão se dirigia, mas aprendeu que depois de algumas horas caminhando juntos, qualquer cão se torna seu melhor amigo. Após muito insistir, seus pais, ainda chorosos e radiantes após 3 dias de uma busca incansável pelo frágil e doente filho desaparecido, acabaram por aceitar levar o cachorro para casa. Ele ficou feliz, mas chorou escondido, frustrado por não ter feito a descoberta de sua vida.

O suor agora o faz tremer de frio, enquanto observa, paralisado, a porta se abrir. Milhões de perguntas - quem sabe, bilhões - passam por sua mente. Lembra-se de cada resposta vazia que recebera ao longo da vida. Lembra-se de cada vez em que se jogou na cama, afundando o rosto no travesseiro, abafando aquele choro quase injustificável.

Não dá para saber tão pouco e se manter tranquilo. Não para ele. E nessa busca, andou pelo mundo. Conheceu muita gente das gentes de todos os povos. Vez ou outra mandava um cartão postal aos seus pais, avisando que embora tendo parado com aqueles medicamentos, e contrariando os dizeres e alertas de extremo negativismo de seu médico, sentia-se bem.

Encontrou o que presumira ser o amor. Descobriu o que imaginara ser a paixão. Maltratou o que pensara ser seu corpo. Enfeitou o que julgara ser sua mente. E sempre, mais uma vez, via que, nem de longe, era capaz de entender o caminho dos cães.

Agora, inexplicavelmente, sente que está para descobrir o que sempre quis saber. A porta continua se abrindo, revelando uma luz fraca e um aroma conhecido. Por alguns instantes, ele sente-se como se seu mundo estivesse entrando em colapso com o sol. Sente-se fervendo por dentro. Sente-se cegado pela luz da descoberta. Percebe que sua busca termina exatamente no seu local de partida. E que, enfim, está de volta ao lugar de onde nunca nem percebera ter saído. O lugar para onde os cães vão, o sentido de seu caminho é, no fim das contas, simplesmente, o fim de seu caminho. Não há sentido, não há motivos. Só há o início e o fim. E ambos se encontram no silêncio.

2 comentários:

Alessandro Gruber disse...

Achei sensacional a ideia do caminho dos cães. O sentido que isso fez pra mim foi interessantíssimo.

Anônimo disse...

Cara, às vezes penso o que você faz no ambiente de negócios... Será diversão, desafio ou um lugar para inspiração?
O meu é desafio, lugar de inspiração é no bar...
Bons textos hein!
Abs
Kurata