sábado, 10 de abril de 2010

|::| O fetiche do assalto

- Assalto? - perguntei, novamente, com um pouco de descrença.

- Sim, assalto - ele disse, demonstrando leve irritação, pois era, final, a terceira vez que eu perguntava a mesma coisa. Completou, já significativamente mais irritado, - cara, o que você tem? AS-SAL-TO, manja? Eu chego, peço seu dinheiro de forma deseducada, você fica apavorado meio sem saber como reagir, eu elevo o volume da minha voz, adicionando um tom mais dominador, você começa a suar nas mãos, pega sua carteira, me entrega tudo o que tem nela, e eu vou embora correndo como se de uma hora pra outra o seu medo tivesse passado para mim. Entendeu agora? Ou quer que eu repita?!
"É", pensei, "parece que isto é um assalto mesmo. Será que devo entregar a minha carteira agora? Ou finjo que esqueci uma panela com leite no fogão e saio correndo, desesperadamente gritando que o leite vai derramar? Ah, quem sabe eu possa fingir que também sou um assantante: 'Perdeu, playboy, hoje é seu dia de passar a carteira'. Não, não me parece uma boa idéia. Ele está começando a fazer movimentos estranhos com as pernas, como se tivesse síndrome das pernas inquietas. E se tiver? Bom, isso não muda nada o fato de que ele, aparentemente, está querendo a minha carteira".
- É pra hoje, tá? - disse o provável assaltante, enquanto balançava as pernas de uma forma quase divertida.
- Tá. Essa parte do "é pra hoje" eu entendi. O que quero entender é esse negócio de assalto. Você aparece do nada, faz essa cara de vilão de novela das seis, grita comigo, tenta me ensinar a soletrar "assalto" e ainda quer meus cartões e todo o dinheiro que tenho na minha carteira?
- Sim. Exatamente isso!
- Você é casado?
- Hã?!
- CA-SA-DO! Sabe? Você pega uma mulher, gasta todo o dinheiro dos seus pais, enfeita uma igreja, chama um cara esquisito de preto, pede pra ele fazer umas perguntas sem sentido pra vocês, e a tudo o que ele pergunta vocês simplesmente fazem cara de burros e respondem "sim". Sabe do que eu tô falando?
- Sim. Sei. E não, não sou casado. Vai passar a carteira ou não?
- Tenho essa opção? E aliás, minha esposa é muito melhor do que você nesse negócio de pedir a carteira. Você é realmente amador.
- Amador? Você perdeu a noção? Passa essa carteira, agora!
- Ou...?
- Ou?
- Sim, "ou" é uma conjunção alternativa. Qual sua formação?
- Ladrão, conhece? Passa logo a carteira!
- Ah, agora nem pedem mais "por favor". Na época dos meus pais os ladrões costumavam ter alguma educação. Você sabe que o Brasil tem sérios problemas na sua rede de ensino, certo? O que o seu sindicato pensa a respeito? Não oferecem cursos profissionalizantes?
- Hã?
- Cursos profissionalizantes. Você vai lá, fica 4 horas e sai sabendo consertar torneiras, tirar fotos ou, quem sabe, até carteiras dos transeuntes...
- Tá vendo isto? É uma faca! Eu não costumo arrancar sangue, mas você tá me obrigando.
- Todos temos escolhas...
- Sim, e a sua, neste momento, é entregar a carteira ou morrer!
- Você já ouviu falar de uma invenção chamada "revólver"?
"É, até que estou começando a acreditar nesse assalto", pensei. Levei a mão direita, já suada, talvez de nervoso, talvez de medo, ao bolso da calça, e descobri que eu estava sem a minha carteira! "Será que falo pra ele? Será que finjo uma diarréia e saio correndo? Será que puxo uma caneta e ameaço o cara de morte?".
- Desculpe, preciso ser sincero com você - eu disse, enfim. - Estou sem a minha carteira!
O assaltante, a essa altura bastante irritado, talvez desconfortável em sua posição social de assaltante, pareceu ainda pensar por alguns instantes antes de sair andando e resmungar: "nunca mais assalto um cara casado...".
Peguei meu celular, liguei para minha esposa e disse: "Querida, vou me atrasar. Esqueci a carteira no trabalho..."

3 comentários:

Alessandro Gruber disse...

en-gra-ça-do.

Anônimo disse...

Hã!!Que loucura!!!

Unknown disse...

KKKKKKKKKKKKKKKKK
Muito bom, Kel
Sò vc mesmo
Abraços
BRUNO