quarta-feira, 18 de março de 2009

|::| Sinais do fim

Ontem foi dia de prova oral na escola do João. A professora, que passara pelo menos os últimos sete dias treinando uma cara bem feia e, segundo alguns alunos, nem precisava ter treinado tanto, convidou todos a saírem da sala. A cada dois minutos um entrava e outro saía, seguindo uma ordem um pouco heterodoxa: do maior para o menor. 

O primeiro a entrar foi o Silão. Garoto forte, destemido e temido por todos os outros. Corria o boato de que o Silão já tinha andado de metrô sozinho, e não na linha verde..., mas na linha vermelha, aquela que liga o Palmeiras ao Corinthians. Do pátio ouviu-se um grito que arrepiou a todos. "Foi o Silão gritando?!", era o comentário que começou a correr entre os alunos. Sim, foi ele mesmo. Saiu da sala correndo para o banheiro. Os alunos, que já não estavam muito tranquilos, é óbvio, já que era uma prova oral, agora estavam à beira de um ataque cardíaco fulminante. Afinal, o mais valente de todos parecia ter sido dobrado e amassado como um pedaço de papel de seda. 

A fila foi andando, sempre do maior para o menor. Ouvia-se gritos, gemidos, ranger de dentes e trovões vindos do interior da sala. Já tinha aluno comentando que sua mãe dissera que isso era sinal do fim do mundo. "E o que ela disse pra fazer nessa situação?", alguém perguntou. "Não sei, acho que ela nunca passou por isso".

Aqueles que saíam da sala, permaneciam calados, provavelmente sob alguma maldição maligna dessas que se aprende nos cursos para professores. A angústia aumentava minuto a minuto, conforme iam restando apenas os mais miúdos alunos. Imagine o desespero do João, que era constantemente alvo das chacotas de seus colegas por causa do seu tamanho. Ele sabia que seria o último a ser chamado, o alvo da ira final, a vítima derradeira. Embora se julgasse preparado, por ser muito bom em conjugação de verbos, o tema da prova, João já não sabia se sobreviveria à sala. Imaginava-se entrando e vendo a língua de cada aluno pregada à parede, enquanto a professora se dirigia a ele com os olhos saltados, segurando um punhal ensaguentado na mão direita, e um garfo na esquerda. 

"Joãoooooo!". De repente, o aluno mais miúdo tremeu ao perceber que havia chegado a sua vez. Olhou para os lados, na esperança de haver outro João na sua turma. Mas não havia. Era ele, o João. João Pequeno. João, cara de anão. 

Respirou fundo. Segurou a maçaneta. Abriu a porta. Fechou os olhos e entrou. Sentiu uma moleza súbita. "João, você tá bem?". Era sua professora perguntando enquanto o abanava com uma folha de cartolina amarela. "Você tomou café-da-manhã, João? Ou tá caindo de maduro mesmo?". Ele olhou pra professora, levantou-se rápido, e tentou endireitar sua postura, fazendo cara de valente, embora por dentro estivesse se sentindo como um cordeiro em dia de sacrifício na Jerusalém antiga.

"João, vamos à prova, tudo bem?". Não, não estava bem. Se ela demorasse um pouco mais, ele molharia as calças. "Conjugue este verbo", disse a professora enquanto apontava para uma folhinha de papel. João inspirou o máximo que pôde, e começou:

"Eu excomungo.  Tu excomungas.  Ele excomunga. Nós excomungamos. Vós excomungais. Eles excomungam".

4 comentários:

jito disse...

hahahahahahahahahaha.. SENSACIONAL, kelson!!!!

de looonge o melhor texto do blog, haha
eu morri de rir aqui. posso imaginar vc escrevendo isso. deve ter se divertido muito tbm, claro.

""E o que ela disse pra fazer nessa situação?", alguém perguntou. "Não sei, acho que ela nunca passou por isso"."

hahaha.. isso foi genial, rs

"Era ele, o João. João Pequeno. João, cara de anão"

hilariante, rs

cara, preciso voltar a escrever, hehe


jito(mon)

Elen Gruber disse...

Muito bom!!! me divirto pra chuchu por aqui!

Alessandro Gruber disse...

hilário!
todo mundo tem um pouco de joão anão.

Unknown disse...

"Corria o boato de que o Silão já tinha andado de metrô sozinho, e não na linha verde..., mas na linha vermelha,"

Ótimo, hahahaha, mas vou esperar mais detalhes pra justificar algumas coisas desse post.