segunda-feira, 5 de julho de 2010

|::| A delicada beleza do descartável

Ele vai ao supermercado. Discretamente procurando algo. Anda um pouco sem rumo, cuidando para não esbarrar e derrubar alguma coisa, talvez uma garrafa cara de whisky.

É bem sutil em sua busca. Escolhe bem e pega o que quer com cuidado, como se tudo - embalagens, frascos, garrafas e pacotes - fosse feito de algum cristal excessivamente fino e caro. Respira com calma, como se houvesse pouco ar; como se quisesse economizar seu fôlego, precioso, afinal.

São fileiras e fileiras de produtos. Cores e letras e conteúdos. Sempre com seus preços. Tudo com o seu preço. E cada preço com seu dono, com seu portador. Ele apenas olha tudo isso, e age como se ainda fosse interessante ser blasé. A quem engana? Aos que o observam - os poucos - de longe? A si mesmo? Resposta impossível a uma pergunta tão impertinente. Não se engana a quem não foi conquistado pela crença.

Se houvesse mais tempo e se ele estivesse mais a par de todas as infinitas possibilidades e dinâmicas do ato de observar, talvez se indignasse com essa irritante inversão que coloca conteúdo e forma - aquilo que se é e aquilo que se apresenta - em completa submissão ao preço que carregam. Quase como se não mais houvesse preços para as coisas, e sim coisas para os preços.

A beleza e o valor desaparecem no ar, como fumaça, tão frágeis diante de tanta confusão e de tamanha oferta de possibilidades, tornando um pouco cômico imaginar que ele conseguiria percebê-las. A beleza e o valor - duas piadas velhas e ultrapassadas - insistem em se infiltrar das formas mais sutis entre as prateleiras e fileiras intermináveis sem que ele as note.

Quantas vezes ele passa por aquelas fileiras? Quantas vezes pára, pega algum produto, observa, analisa, lê o rótulo e o coloca delicadamente de volta a sua prateleira? Ele até poderia acreditar nos rótulos se conseguisse perceber alguma diferença entre os tantos que lê. São, afinal, todos iguais. Ele, e os tantos outros que caminham por aqueles corredores, são, afinal, tão iguais em sua indiferença polida. Por alguns instantes é bastante difícil distinguir os papéis que cada um desempenha nesse ambiente.

Sem entender bem o processo que faz com que de uma hora para outra ele sinta que pegou tudo de que precisava, caminha em direção a um caixa, sem deixar de pegar uma revista que traz em sua capa, de forma nada discreta, a afirmação de que em seu interior é possível aprender mil e três formas de meditar que trarão a completa paz de espírito.

Ele passa suas compras, paga, e sai, segurando algumas sacolas de plástico fino, com tudo aquilo que ele insiste em pegar todas as noites, talvez fingindo para si que no próximo dia não precisará voltar e pegar mais. Não querendo ver que ele nunca sai com o suficiente e que voltará no dia seguinte, buscando mais, porém bem menos do que precisa. Mantendo-se, inevitavelmente, nesse círculo sem fim de confirmar que o que foi feito para ser descartável é, enfim, realmente descartável.

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